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terça-feira, 5 de maio de 2015

A importância do Trabalho de Campo na formação do Professor

Olá pessoal!

Na postagem a seguir veremos a importância do trabalho de campo em nossa formação, calcada em relatos de diversos autores, os quais se utilizam do empirismo e da experimentação para a formulação de suas obras, sejam elas qual forem, voltadas ou não para a geografia física. Muitos estudantes ou até mesmo Licenciados acham que o trabalho de campo só é válido quando se trata da observação do meio físico, o que podemos considerar um grande engano. A experiência e vivência de qualquer aspecto da geografia nos remete além da reflexão, a construção de um método próprio de trabalho, assim como uma visão única dos fatos e ou formas. A prova disto está por exemplo, na simples ação de irmos de casa para o trabalho rotineiramente, todos os dias teremos percepções distintas e descobriremos coisas antes nunca vistas, ou seja, a cada dia, estamos diferentes , desta forma o despertar de um novo olhar é natural. É muito importante que alcancemos o despertar da observação e da percepção do meio em que estamos inseridos, e mais do que isso, saber transmitir esse olhar ao darmos uma aula por exemplo. Faça o treino, desperte seu olhar e boa leitura!

Trabalho de Campo: prática andante de fazer Geografia
Ana Maria Radaelli da Silva
Professora do curso de Geografia da Universidade de Passo Fundo (RS), mestre em Metodologia Aplicada às Geociências pelo IG/Unicamp

Introdução
Você viu um acontecimento comum,
um acontecimento como ele é produzido cada dia.
E no entanto lhe rogamos,
sob o familiar, descubra o insólito,
sob o cotidiano, destaque o inexplicável.
Bertold Brecht
Trecho de A exceção e a regra, peça escrita por Brecht em 1930, citado por Kayser, 1985.

Este texto resulta de uma longa prática e envolve uma histórica e permanente reflexão acerca do modo como se revelam novos conteúdos a cada nova ação que se realiza, como a intrusão num lugar onde um acontecimento comum, quase insólito, que parecia inexplicável. Esse é o ancoramento das ideias que se introduzem sobre o trabalho de campo ou,como venho me referindo, a prática andante de fazer Geografia. São ideias situadas nos seguintes aspectos:
  • a revelação de novos conteúdos decorre da descoberta que a observação investigativa proporciona, paralelamente à interpretação, à análise reflexiva e crítica que possibilita a formulação de noções ou conceitos
  • a realização das ações, notadamente no trabalho docente, insere-se na dimensão pedagógica como ato de fazer, refutada a reprodução, e como ação compartilhada, refutado o protagonismo exclusivo do professor (ou do livro didático), que coloca o aluno no papel de protagonista de sua própria aprendizagem.
Por sua vez, esses aspectos se situam nas orientações metodológicas da Pedagogia Histórico-Crítica e da Geografia Crítica, que produzem, por um processo de construção de conhecimento a partir da realidade, a perspectiva de sua compreensão crítica considerando as possibilidades de transformação e emancipação.
Essa visão, com correspondência tanto no âmbito da pedagogia como da geografia, tem buscado embasamento na análise neomarxista da teoria e da prática educacional. É essa visão que, embora não isenta de falhas comparativamente a outras linhas de análise, reconhece a imbricação entre reprodução econômica e reprodução cultural, na qual  se intersecionam a teoria, a ideologia e a prática, trazendo do nível macro a sociedade com todas as suas forças, os princípios e os processos reguladores do trabalho, conectando-os ao micronível das atividades de sala de aula. Isso está na razão de que as "percepções subjetivas estão dialeticamente relacionadas com o mundo social e não simplesmente o espelham" (Giroux, 1997, p.59).
São, precisamente, essa visão e esse relacionamento que concebem a influência de valores sociais na ciência geográfica e na educação e que superam os argumentos de imparcialidade ou de neutralidade de qualquer uma.
E, para cumprir o que preconizam os fundamentos teórico-metodológicos da Geografia quanto aos objetivos do seu ensino, além da seleção e organização de conteúdos significativos e socialmente relevantes, como defende Cavalcanti (1998), "a leitura do mundo do ponto de vista de sua espacialidade demanda a apropriação (...) de um conjunto de instrumentos conceituais de interpretação e de questionamento da realidade socioespacial" (p.25).
O trabalho de campo constitui-se como instrumento fundamental para essa "leitura", por meio da qual se desvenda o entorno e se estabelece a mediação entre o registro, o conhecimento já  sistematizado e informado e o seu significado, auferido através de um processo dinâmico e dialético para o entendimento da realidade, especialmente naquilo em que ela se apresenta como "inexplicável", por isso mesmo instigadora.
Para Santos (1996), "o cotidiano" é essa outra (a quinta, conforme o autor) dimensão que "deve ser objeto de interesse dos geógrafos, a quem cabe forjar os instrumentos correspondentes de análise" (p.38).
De qualquer perspectiva, ressalva o valor pedagógico do contato com a realidade para a formação do geógrafo e que, além de ser um tradicional instrumento para essa formação, tem sua importância reconhecida principalmente "por aqueles que têm na paisagem natural ou cultural a objetivação da Geografia" (Corrêa, 1996, p.1).
A valorização do trabalho de campo "como indispensável ao conhecimento da realidade", segundo Suertgaray (1996), é fato observado na história clássica da Geografia, processo no qual se insere, "ainda que de forma diferenciada" (p.2), como ressalva a mesma a autora. Acrescenta que "viagens, expedições que permitissem a observação dos lugares eram, portanto, altamente estimuladas", especialmente a observação "era considerada a técnica por excelência dos geógrafos" (p.3).
Em defesa dessa prática, ainda na primeira metade do século, o notável geógrafo brasileiro Delgado de Carvalho (1941) dizia que "o contacto com a realidade determina, por si só, o início de todo um processo de aprendizagem" (p.98), comparando a validade de um só trabalho de campo, "excursão", a muitas aulas teóricas.
A definição desse conceito abre para outras demarcações: viagens, expedições, excursão, trabalho de campo ou estudo do meio?
Ao ensejo da denominação que Delgado de Carvalho dava a esse procedimento, e ressalvando que lhe era acrescentado o complemento "geográfico", convém fazer as distinções, uma vez que excursão pode ser entendida mais como uma atividade recreativa ou de confraternização e menos como uma atividade para o conhecimento de dada realidade.
O próprio autor, entretanto, ampliava a denominação ao considerar que seria importante "lembrar as feições principais do que se poderia chamar, em excursão geográfica, o estudo da paisagem" (p.101). Com isso, sugeria que, nas excursões, era preciso saber observar a paisagem e não só contemplar o panorama, extrair o sentido geográfico da mesma.
Entendo, portanto, que - como instrumento, técnica, método ou meio - o trabalho de campo vem a ser toda a atividade que proporciona a construção do conhecimento em ambiente externo ao das quatro paredes, através da concretização de experiências que promovam a observação, a percepção, o contato, o registro, a descrição e representação, a análise e reflexão crítica de uma dada realidade, bem como a elaboração conceitual como parte de um processo intelectual mais amplo, que é o ensino escolar. Ou, em decorrência de experiência mais recente vinculada à formação técnica, a observação e interpretação do espaço e suas formas de organização, inerentes à prática social.
Para qualquer uma das formas de atuação, esse é um pressuposto metodológico básico, porém não exclusivo na prática de campo, mas de qualquer outro estudo da Geografia, porque é do estudo dessa realidade visível, palpável, sensível com a qual interage, com elementos demarcados pela vivência cotidiana, que o aluno e/ou pesquisador transcenderá para a teorização sobre essa realidade, compreendendo-a  como a expressão local/regional do conjunto do território e ampliando sua visão sobre o horizonte distante.
Isso possibilita a apreensão de que o significado da parte só se dá na relação com o todo, da mesma forma que permite a compreensão de outras relações, como as dualidades rural/urbano e centro/periferia, articulações entre diferentes escalas, cujas explicações poderão ser encontradas no contato com o contexto.
A isso, independentemente de outras referências, denomino trabalho de campo, uma e não única forma de construir conhecimento e de gerar atitudes e habilidade específicas do ensino da Geografia e, mais amplas, de formação social, pelo seu papel integrador uma vez que estimula relações afetivas e cognitivas, da mesma forma que desenvolve uma percepção apreciativa do espaço geográfico num contexto menos formal que o da sala de aula tradicional. Daí sua relevância pedagógica.






O Trabalho de Campo: forma de aproximação da teoria com a prática
Não há contexto teórico se este não estiver em união dialética com o contexto concreto.
Paulo Freire

No discurso, no exemplo e no legado intelectual do notável pedagogo brasileiro, teóricos identificados com uma abordagem social e crítica de educação, que propugnam por um trabalho pedagógico centrado no concreto, no real e no verdadeiro, têm buscado referências às suas defesas.
Entre os teóricos críticos permeia uma argumentação dirigida aos formadores de professores, bem como aos próprios professores, de que o propósito da escolarização está associado a uma visão transformadora, o que fundamenta a possibilidade de transformação social.
Reconhece-se isso em McLaren (1997) quando discorre sobre a construção social do conhecimento, ressalvando a relação contextual presente num campo referencial particular, como um dado lugar, cujos significados/subjetividades particulares só são percebidos se vividos porque "não estamos diante do mundo social, vivemos dentro dele" (p. 202). Com isso, supera-se uma visão contemplativa que esteve presente, de certa forma, em práticas mais tradicionais do ensino da Geografia e não apenas da Geografia.
Da mesma forma, Giroux (1997), ao vincular à união de teoria e prática a possibilidade de práticas emancipadoras, o faz ressalvando que tal relação é indissociável da "experiência concreta de ouvir e aprender com os oprimidos", baseando-se na definição de Freire para a categoria de intelectual, pela qual "todos os seres humanos atuam como intelectuais ao constantemente interpretar e dar significado a seu mundo e ao participar de uma concepção de mundo particular" (p.154).
A compreensão do real, do presente, como ato de descortinar seu conteúdo, sua gênese, resulta da mediação entre teoria e prática, não da rendição daquela a esta porque, sustentado num preceito freireano, o autor destaca que a "teoria não dita a prática" (p.155), preservando a possibilidade de se originarem formas próprias, particulares de produção e práticas teóricas, no sentido verdadeiro de práxis.
Kincheloe (1997) resgata Paulo Freire quando discorre sobre pesquisa-ação e pensamento democrático, especialmente da concepção de investigação como uma poderosa ferramenta de ensino. Toma o exemplo do pedagogo brasileiro, de como engaja seus alunos como "companheiros" nas atividades de pesquisa, de como os coloca frente às percepções de si mesmos e do seu entorno, de como os encoraja a pensar "sobre os próprios pensamentos", de tal forma que, para o primeiro,todos se juntam na investigação, aprendendo a criticar, a ver mais claramente, a pensar num nível mais elevado, a reconhecer a forma como suas consciências são socialmente construídas. Quando os professores colocam o método de Freire para funcionar nas suas próprias salas de aula, eles ensinam aos alunos as técnicas de pesquisa que aprenderam. Professores são ensinados nas habilidades de trabalho de campo tais como observar, entrevistar, fotografar, filmar, gravar, tomar nota e coletar histórias de vida. Tais atividades fornecem um contexto oportuno para os professores se engajarem com os alunos numa meta-análise epistemológica - o coração e a alma do movimento para a pós-formalidade (p.181).
A pós-formalidade, como resistência política, é um dos insights que o autor destaca de Paulo Freire no sentido das relações entre pensamento e ação política frente às ficções culturais dominantes.
Para Kincheloe, os ensinamentos de Freire encaminham para uma ação subversiva, isto é, uma prática que subverte a passividade, que desafia para a construção, que desperta para a conscientização, ação política decorrente do pensamento, conscientização como "recusa a somente ler ou receber história - ela faz história" (p.75), tal como o pensamento pós-formal e o ensino crítico.
No âmbito dessa temática, inicialmente refletida à luz do pensamento freireano e de seus interpretadores, circunscreve-se a possibilidade do trabalho de campo, como ação reflexiva na interface da teoria e da prática educacional.
Pressupondo-se que o nível de conhecimento (teoria) confere autonomia a quem atua, sobre as suas próprias ações (prática), é possível inferir que a relação teoria-prática condiciona a liberdade para estruturar as atividades docentes.
Importa destacar que a ideia de liberdade na "aplicação" de formulações teóricas à prática pedagógica está posta como possibilidade de saber/poder fazer escolhas para uma prática reflexiva em Geografia. Daí, então, segundo Freire (2000), "que a nossa presença no mundo, implicando escolha e decisão, não seja uma presença neutra" (p.33).
É aqui que situo um argumento em defesa da instrumentalização teórica para informar/subsidiar a prática no desenvolvimento da dimensão criativa na concretização dessa relação (teoria-prática), através de atividades criativas que sejam, sobretudo, significativas, intencionais e viabilizadoras de intervenções sociais.
A concretização de atividades acadêmicas de campo, diretamente situadas na formação do geógrafo, fundamenta o desenvolvimento da observação, da análise e da crítica da realidade, no lugar de sua manifestação, o locus social, cujas complexidades e contradições estão para ser investigadas e compreendidas.
Ressalvo o entendimento de que essa é uma possibilidade que se abre para uma ação interdisciplinar porque, em que pese o compromisso primordial, porém não exclusivo do geógrafo, a investigação e compreensão da realidade requerem o aporte de outras áreas do conhecimento que compartilham preocupações em torno da temática, o que encaminha para a crítica do paradigma reducionista de ciência que fragmenta e descontextualiza o conhecimento.
Assim, o geógrafo que se pretende habilitar de forma concomitante e integrada, deverá ser capaz de intervir na sociedade, como educador e como pesquisador, norteado pelos princípios da ética, da crítica, da autonomia e da criatividade na proposição de soluções para as questões que a referida sociedade apresenta, notadamente em nível regional.
A construção de uma proposta de curso que leve em conta o perfil de um profissional que o mundo atual requer passa, necessariamente, por uma formação geral sobre o conhecimento científico e geográfico, pela respectiva qualificação técnica e pela dimensão pedagógica que garanta o exercício da função social do geógrafo.
Das constantes discussões que tiveram lugar nos eventos da AGB, especialmente em nível nacional, resultou uma posição consensual quanto à superação da dicotomia tradicionalmente mantida nos cursos de formação profissional no que diz respeito ao bacharelado e à licenciatura. Inseridos nesse debate, formulamos essa proposta, uma composição curricular articulada de forma harmoniosa, para que as diversas disciplinas ocorram na perspectiva da unidade na profissionalização.

Conclusão
Das ideias e questões postas neste trabalho, como produto de toda uma história de vivências e experiências, estruturadas coletivamente no diálogo de quem ensina com quem aprende e com quem se aprende, destaca-se um último desafio.
O desafio é fazer trabalhos de campo. É fazer do trabalho de campo uma das possibilidades para que a teoria e a prática sejam articuladas na e articuladoras da pesquisa e da reflexão necessárias à construção/reconstrução de (novos) saberes sobre a realidade geográfica.
É preciso ir a campo porque "geografia de gabinete" só existe para o compilador de dados, como foi dito por Francis Ruellan ainda em 1944. No seu entender, para o pesquisador, o gabinete serve apenas de complemento da investigação no campo que é a fonte viva de toda observação e interpretação nova. Desde a origem da geografia moderna, todos os grandes mestres não seguiram outro método, o único em verdade que pode libertar a produção geográfica do trabalho livresco e do vão palavrório sem base científica e sem nenhuma relação com a vida do Globo (p.45).
Não é preciso, certamente, ser um "grande mestre", mas apenas um professor que toma consciência das mudanças que deve operar no seu trabalho pedagógico, em atenção a uma pedagogia crítica de aprendizagem, na qual o trabalho tem sentido, é vivo e faz diferença na vida do professor, da mesma forma que esse pode fazer diferença na vida do seu aluno. Ele, não o livro nem o "vão palavrório".
As ações práticas de/no campo, como momento e locus privilegiado para encontrar o caminho para a concretização da teoria-prática, fazem parte do compromisso da formação para a transposição dos conhecimentos e competências para a atuação profissional campestre, iluminadas pela convicção de que o diálogo com o espaço geográfico, atividade viabilizada pelo trabalho de campo, se dá para além das fronteiras verbais, no chão, como prática andante.
Bibliografia
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